REVISÃO CRIMINAL OU EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE DOS APENADOS SOB A ÓTICA DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 635.659

Autores

  • Thainá Monteiro UNIALFA
  • Guilherme Corradini
  • ROSANE MEYER UNIALFA

Palavras-chave:

Supremo Tribunal Federal, RE 635.659, revisão criminal, extinção de punibilidade, aplicação de precedente, descriminalização da maconha

Resumo

A decisão do Supremo Tribunal Federal em descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal marca uma mudança significativa nas políticas de drogas no Brasil. Ao diferenciar objetivamente usuários de traficantes, a decisão pode corrigir injustiças. Além disso, enfatiza a necessidade de um sistema judiciário capaz de revisar sentenças e extinguir punibilidades, garantindo o respeito aos direitos humanos. A implementação dessas mudanças exige coordenação entre o Conselho Nacional de Justiça, o Congresso Nacional e outras instituições. Essa reforma incita um debate mais amplo sobre justiça penal, promovendo uma abordagem menos punitiva e mais focada na reintegração social e dignidade humana.

Durante décadas, a criminalização do porte de maconha no Brasil tem sido um tema polêmico e alvo de intenso debate. Desde a promulgação da Lei de Drogas, em 2006, a sociedade brasileira vivencia as consequências de uma política de drogas que, em muitos casos concretos, na contramão de focar em medidas de saúde pública e prevenção, criminaliza os usuários.

As políticas de drogas no Brasil refletiram um paradigma punitivo, paralelo com a “guerra às drogas” promovida em diversas partes do mundo (Soares Filho; Bueno, 2016). Os impactos sociais e legais resultantes desse embate, atingiram desproporcionalmente as populações mais vulneráveis e marginalizadas, sendo a maioria dos indivíduos presos, oriundos da periferia e com grau de instrução até o fundamental incompleto (Gomes, et al., 2023). A alta taxa de encarceramento de usuários de drogas, muitas vezes sem distinção clara entre usuários e traficantes, e o estigma social que perpetua a exclusão e desigualdade dos apenados, deixam claras as consequências dessas políticas adotadas. 

Em junho de 2024, em um marco decisivo, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil descriminalizou o porte da maconha para uso pessoal. Esta decisão histórica, fruto do julgamento do Recurso Extraordinário 635.659, certamente abre novos caminhos para se discutir a eficácia e a justiça das políticas de drogas vigentes, além de trazer à tona questões cruciais acerca de direitos humanos e saúde pública.

Torna-se imperativo, portanto, analisar os impactos que esta decisão pode causar aos antecedentes criminais daqueles que já foram condenados, além de explorar a possibilidade da revisão de sentenças.

Avante, se fixou pela Suprema Corte, por maioria de votos, à decisão favorável ao Relator do R.E, Min. Gilmar Mendes, descriminalizando a conduta do porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal em ilícito administrativo, devendo ser adotado critérios objetivos durante a abordagem policial e temporariamente de competência aos Juizados Especiais Criminais o julgamento das ações provenientes do procedimento. Com isso, transcreve-se a parte considerada relevante do julgado para o núcleo da análise do presente trabalho:

Por fim, a Corte determinou que o CNJ, com a participação das Defensorias Públicas, realize mutirões carcerários para apurar e corrigir prisões decretadas em desacordo com os parâmetros fixados no voto do Relator.

Considerando o contexto, abre-se o debate quanto à possibilidade da revisão criminal de casos julgados ou em atual execução anteriormente ao precedente e, ainda, a hipótese da extinção da punibilidade nas referidas circunstâncias.

A revisão criminal prevista no art. 622, caput, do CPP, tem como objetivo a correção de um erro in judicicando diante de notória injustiça, transcendendo a temporalidade, agindo como forma de um remedium juris no ordenamento jurídico brasileiro em busca da retratação quanto à lesão pelo Estado a um bem jurídico tutelado que por falha humana se viu prejudicado (Lopes Junior, 2019).

Apesar de interpretado como dispositivo taxativo, há espaço para argumentar se há a possibilidade da aplicação do remédio àqueles condenados dos quais a ação não mais permite recurso, ou seja, transitada em julgado. O reconhecimento do mérito diante da exposta problematização enraíza-se na premissa de que o direito penal naturalmente deverá sempre que possível ser aplicado em ultima ratio devido a sua severidade, portanto, a formulação de um precedente benéfico que se afasta do núcleo punitivista como correção, gera margem para a provocação aos magistrados que novamente hão de se mobilizar para preencher uma lacuna, uma vez que o debate do R.E é tão antigo quanto a sociedade moderna do Poder Legislativo. 

Reconhecendo os efeitos da fixada decisão da Suprema Corte e diante da presente omissão por parte do Conselho Nacional de Justiça e Congresso Nacional, respectivamente atual e originário órgão competente pela regulamentação da matéria, abre-se a hipótese quanto a extinção da  punibilidade nos casos julgados além da previsão do art. 107, não taxativo, do Código Penal, baseando-se novamente pelos argumentos expostos, além da invocação dos princípios constitucionais da dignidade humana e privacidade como maneira de auxiliar na reinserção do sujeito que outrora se encontrou marginalizado por questões subjetivas da abordagem policial, agentes responsáveis pelo primeiro contato em situações delituosas.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal em descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal representa um marco significativo na luta por uma abordagem mais humana e justa nas políticas de drogas do Brasil. Ao estabelecer critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes, a decisão pode corrigir as injustiças associadas ao encarceramento por delitos menores relacionados ao uso de drogas.

Além disso, essa mudança também destaca a necessidade de um sistema judiciário adaptável, capaz de rever sentenças e extinguir a punibilidade de condenados sob as leis anteriores, assegurando o respeito aos direitos humanos. A implementação dessas medidas requer uma ação coordenada entre o Conselho Nacional de Justiça, o Congresso Nacional e outras instituições relevantes.

Destarte, a decisão do STF não apenas abre caminho para uma reforma na política de drogas, mas também provoca um debate mais amplo sobre justiça penal e a necessidade de uma abordagem menos punitiva e mais voltada para a reinserção social e o respeito à dignidade humana.

 

Referências

GOMES, Mayra Araujo. et al. A superlotação no sistema carcerário brasileiro: suas causas e consequências. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 06, Vol. 04, pp. 144-155. Junho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/sistemacarcerario-brasileiro, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/sistemacarcerario-brasileiro

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 16. ed. [S.L.]: Saraiva Educação, 2019. 1595 p.

SOARES FILHO, Marden Marques; BUENO, Paula Michele Martins Gomes. Demografia, vulnerabilidades e direito à saúde da população prisional brasileira. Ciência & Saúde Coletiva, [S.L.], v. 21, n. 7, p. 1999-2010, jul. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015217.24102015.

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Publicado

2025-02-10

Edição

Seção

Resumo Expandido